Tuesday, November 01, 2005

O ilusionismo

Miriam Leitão no Globo (29/10/05)

O ilusionismo

A verdade é sempre a primeira vítima do marketing eleitoral. Exemplo
disso foi o programa do PT. Prometeu explicar a crise e culpou os
outros. Exibiu números discutíveis; uma coleção de meias verdades. "Do
que acusam o PT?", perguntou o locutor. A pergunta pode ser dirigida
ao presidente Lula, que mandou o partido pedir desculpas e se disse
traído. Outro erro: o presidente da Petrobras como garoto-propaganda.
Em vez de explicar a crise, o programa admitiu apenas que: "membros de
nosso partido cometeram erros". Sinceridade não é um ingrediente das
campanhas políticas no Brasil. É visto como ingenuidade, mas talvez
seja isso que o eleitor esteja querendo agora. Não há como encobrir os
absurdos descobertos, a distribuição de dinheiro a políticos da base,
os indícios de que o caixa dois financiou até a campanha presidencial.
É difícil mesmo tratar de tudo isso numa propaganda política, mas o
que não se deve fazer é subestimar a inteligência do eleitor. Foi o
caminho escolhido pelo PT.
Nos números, uma coleção de não ditos. Disseram que a inflação era de
12% e caiu no governo do PT para 7,5% e 5,2%. Na verdade, a inflação
está voltando agora aos níveis de 2000. Subiu em 2002 pelo medo de
Lula. Medo construído pelo passado em que Lula e o PT foram contra o
Plano Real e apresentavam idéias exóticas ou falta de entendimento
sobre a importância da estabilização.
O último ano do governo Itamar, em 94, teve inflação de 916%, e o
primeiro de Fernando Henrique foi de 22%. Se FH usasse essa comparação
seria um absurdo. Esses números não contam o que se passou. O Plano
Real, feito sob o comando de Fernando Henrique no governo Itamar
Franco, venceu a hiperinflação no segundo semestre de 94. No último
ano do primeiro mandato, em 98, a taxa foi de 1,66%. No primeiro ano
do novo mandato, em 99, pulou para 8,9%. O resultado de 99 foi uma
vitória maior do que o de 98, porque foi conseguido apesar do estouro
da banda cambial. Por várias vezes, falou-se no programa sobre "a
crise deixada pelo governo passado". Sinceramente, o governo sabe que
recebeu uma boa herança na área macroeconômica, tanto que manteve a
política.
Disse que o país exportava US$ 60 bilhões e agora, US$ 112 bilhões. É
verdade, mas não é governo que exporta. O setor exportador brasileiro
é o grande merecedor do crédito. Certas mudanças macroeconômicas
ajudaram, mas foram feitas por sucessivas administrações. Não dá para
explicar a mudança na competitividade brasileira sem passar pela
abertura, que o PT condenou; o Plano Real, no qual o PT votou contra;
a privatização, que até nesse programa o partido acusou de ter sido
"selvagem". Erros foram cometidos no processo de venda das estatais; a
energia é exemplo eloqüente. Mas a venda em si acabou com absurdos
como o Estado fabricar aço, atuar em mineração, fazer aviões, vender
telefone, ser dono de hotéis e ter três dezenas de bancos. Não foi
"selvagem", tanto que ainda existem cinco bancos estatais que
controlam 40% da intermediação financeira; o Estado ainda tem 70% da
geração de energia, quase todo o setor de petróleo e o monopólio do
resseguro. A privatização aumentou a eficiência na economia
brasileira.
No item desemprego, a confusão da comunicação do governo é ainda
maior. Disse que o governo passado criou 700 mil empregos e o atual,
3,6 milhões. Nem especialistas em trabalho entendem esses números. Um
exemplo de má-fé que poderia ser usado contra o governo Lula: a taxa
oficial de desemprego no último ano do governo passado oscilou entre
6% e 7%. No governo Lula chegou a 13% e está em 9,6%. Isso parece
mostrar que no governo Lula aumentou o desemprego. Não aumentou. A
metodologia de cálculo é que mudou. Quem quer participar do debate com
honestidade tem de ter respeito aos números.
Lula tem usado os dados do Caged do Ministério do Trabalho, e não a
pesquisa do IBGE da PME. Os dois estão mostrando muita discrepância. O
fato é que o desemprego não está caindo, na época do ano em que sempre
cai. Está estagnado há quatro meses e subiu um pouco em setembro. A
verdade é a seguinte: na década de 90 houve queda do emprego no mundo
inteiro, por causa de novas tecnologias, mais competição, novas formas
de produção. Emprego é um desafio de qualquer governo no mundo
inteiro. Simplificar o tema, como se fosse uma partida de futebol, não
ajuda o país.
No programa, o PT se vangloriou de ter aumentado o gasto com Saúde.
Fez isso por obrigação legal: os gastos com Saúde têm de aumentar
anualmente por uma fórmula preestabelecida. Elogiou-se na educação,
quando o grande salto do "toda criança na escola" foi dado no período
FH. Teve a coragem de dizer que a segurança melhorou, item em que os
dois governos erraram. Apresentou a Bolsa Escola como se tivesse sido
inventada apenas pelo PT e a campanha das diretas como se tivesse sido
petista. Num momento de puro delírio, o programa sustenta que garantiu
R$ 55 bilhões para o Fundeb até o ano 2019.
No pior momento do programa, pôs o presidente da Petrobras, José
Sérgio Gabrielli, fazendo propaganda de programas do governo. Um
comportamento inadequado para uma empresa de capital aberto, que tem
ações até em bolsas estrangeiras, cujo controle é do Estado e não do
PT. Mais um flagrante da confusão entre governo e partido, que tanto
problema tem causado. A campanha de 2006 já começou. Começou muito
mal.